Lisboa, capital do Império. Com o seu castelo altaneiro e as sinuosas colinas que a elevam ao mais alto esplendor. Um belo entardecer a anunciar o Verão e uma viagem num magnífico coche, agora apelidado de 758. Lá dentro a fauna local típica. O mal educado, o mal cheiroso, o grunho e o cromo. A cidade, de resto, não parece saber viver sem eles. O universo convoca-os e, como se o seu destino fosse esse, eles ali estão sempre prontos a não deixar escapar a razão da sua existência. Só ali, naquele contexto, é possível ouvir múltiplas, repetidas e audíveis vezes a palavra “chavalo”. Sempre, como que distraidamente, anunciando a profunda idiotia da conversa. É a vingança do país real, dizem alguns. E ele, afinal, encontra-se por todo o lado. A prová-lo, eis que surge o momento que resume a convocação cosmológica. Duas senhoras. Vindas das compras, ou, pelo menos, com o saco que as denuncia. Entram cada uma na sua paragem. Mas conhecem-se e ali, sem mais demoras, com esta trova nos surpreendem:
- Olá, estás boa tu?
- Ai, sabes lá! Apanhei um grande escaldão. Estou a ferver!
- Mas “fostes” à praia?
- Não, fui ao piquenique ver o Toni Carreira!
- Ah, eu também gostava... de ver o concerto, que estava muito calor para o piquenique. E então? Que tal foi?
- Muito bom, ele é o maior cantor português.
- Ó mulher, a quem o dizes... Há anos que digo que o homem é o maior poeta do Portugal!
Há razões que a própria razão desconhece. Mas a Carris sintetiza-as bem.
1 comentário:
Andar de autocarro, metro e afins será o que faz falta a muitos teóricos da sociologia.
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