18 de junho de 2009

O Fim do Mês Já Cá Está Outra Vez

Os merceeiros assistem, impotentes, aos cidadãos que, vaidosos, se pavoneiam rumo ao Modelo para se abastecerem de géneros para os próximos dias. Lá vão eles, quase lampeiros, atravessando a terra em que, graças ao pavimento preenchido de paralelipípedos de basalto, o ruído dos pneus no solo é amplificado, fazendo com que os carros - mesmo rolando em ponto morto - provoquem um gargarejo um pouco grave, rápido mas calmo, que atrai os olhares dos transeuntes que só vão à farmácia ou a um dos cafés que tenha jornais em cima das mesas. Alguns destes condutores, talvez os mais simpáticos, apitam rapidamente à passagem em frente à venda; contudo, e apesar do pequeno acenar que são obrigados a dedicar-lhes, os merceeiros sentem crescer dentro do peito um leve sentimento de despeito. Lá vão eles, ao Modelo das luzes incandescentes e brilhantes, dos cartazes bonitos ou de gente quase bonita, e dos cartões de débito imediato.

A partir da segunda metade do meio do mês, porém, tudo muda. Aos senhores que, ainda a semana passada passavam suficientemente rápido para não parar, mas lentamente o bastante para serem vistos - naquele seguro sentimento de ego apaziguado que o deslocar em veículo próprio e a motor proporciona - é vê-los chegar, transeuntes como todos, abeirando-se da mercearia, como se nada fosse, ou como se fosse normal. E é-o, verdadeiramente falando; já estamos na segunda metade do meio do mês. Melosos, abordam os merceeiros e, num disfarçado rabo entre as pernas, inquerem sobre as novidades da terra, dos vizinhos e do movimento. Opinam infundamentadamente algo sobre a longínqua situação política e económica do país e apoderam-se de alguns dos víveres espalhados timidamente pelas prateleiras.

O merceeiro já não é apenas alvo de uma buzinadela, já é tratado por "vizinho" ou "amigo". O merceeiro não aceita cartão de débito, mas ainda bem. A relação é de interesse, do merceeiro queremos o que o Modelo não nos dá, mesmo que publicite que sim. Do merceeiro queremos crédito, queremos pôr na conta, queremos pagar fiado. Querem eles, os que há poucos dias apitavam levemente à passagem, mas que, vendo o emagrecer do ordenado que não estica, já não se sentem atraídos pelos cartazes luminosos. E chega-lhes o bigode farfalhudo do merceeiro e a pouca variedade de marcas e produtos, desde que o mesmo lhe proporcione os mesmos a pagar depois.

Para o mês há mais, mas ainda falta algum tempo.

t.

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