10 de março de 2011

eu sou rasca. com muito orgulho.

Recebi há dias o manifesto da agora apelidada geração à rasca. Li até onde a paciência me permitiu. No meu caso, confesso, foi o 14º ponto e a alusão ao regabofe da função pública em Lisboa.

É óbvio que tudo o que li retira credibilidade a quem o escreveu. Um manifesto não é o resumo de conversas de café e não pode (ou não deve) cair na tentação de colocar todos no mesmo saco. Torna-se imbecil, diria. Ou no mínimo redutor.

Com o passar dos dias, porém, não consigo deixar de me sentir solidário com a dita manifestação. E por uma simples razão. Ao que parece, e para se protestar, é necessário apresentar um conjunto de soluções, quiçá um programa de governo, senão torna-se, dizem, demagógico.

É aqui que eu largo todo o cinismo com que tenho visto esta questão. Era só o que faltava. Raramente assim foi. Mesmo a geração que agora se indigna com o protesto não o fez. É claro que não. Não a do 25 de Abril, não a do Maio de 68. E nem é preciso grande explicação. Veja-se a responsabilidade que têm no mundo que hoje conhecemos. Por muito boas que fossem as suas intenções. Há uma razão para existir uma geração à rasca.

A principal divergência que tenho com o movimento que reclama a nossa presença no dia 12 é esta mesmo. É a não assunção da guerra que opõe estas gerações. A que já se safou e a que não consegue safar-se e não vê qualquer hipótese de o conseguir. Estamos mesmo em polos opostos, acreditem. Essencialmente pela dificuldade que temos em reconhecer as dificuldades alheias.

Dizia hoje à minha mãe isto mesmo. Não quero que ela perca, nem ninguém da sua idade, o que já conquistou. A reforma a que têm direito, a saúde ou a tranquilidade. Mas é fundamental reconhecer que a geração rasca que passou à rasca precisa de solidariedade. Nem que seja pelo reconhecimento das suas dificuldades. Pela ausência de perspectivas futuras. E que essa solidariedade tem de ser também política. Não esqueçamos a passividade com que tantos reelegeram este governo e, sobretudo, não esqueçam que tratam tantas e tantas vezes os partidos como clubes de futebol.

Claro que há muitos jovens que não se revêm neste protesto. São ainda mais cínicos que eu. E é óbvio que já estão bem instalados. Ou então já se safaram. E há excepções. Claro que há. Alguns tiveram a sorte de ver reconhecido o seu mérito. São é muito poucos.

Não sei que mais dizer. Não sei se vou à manifestação. Mas sei que estou solidário. E quero lá saber de quem se vai aproveitar ou já se aproveitou do movimento. Nesse aspecto os partidos são todos uma vergonha. Sábado todos vão tentar manipular. Os presentes e os ausentes. O que interessa é que há razão. Ainda que nem sempre bem direccionada. E isso é o que conta.


Só mais uma coisa. Acho insuportável que tudo isto tenha sido despoletado por uma estúpida música. Não acho piada aos Deolinda e provavelmente nunca vou achar. Mas eles não representam uma geração. Claro que não. Por isso não se distraiam.


‎"these children that you spit on
as they try to change their worlds
are immune to your consultations
they're quite aware of what they're going through..."




P.S. - Alertaram-me que o manifesto a que me refiro não é o da geração à rasca. Esse poderão encontrá-lo aqui. É, acrescento, ainda mais pobre em ideias. Mas nada influencia o que escrevi. Continua a parecer-me válido.

2 comentários:

Raquel disse...

Permite-me que discorde contigo, a música dos Deolinda é genial. É inteligente e toca num ponto sensível da sociedade com uma força que nenhum partido politico é capaz de fazer. Além de ser uma banda fantástica reconhecida no mundo inteiro, que não tem só esta música genial. Ao contrário da canção, não acho os fundamentos da manif muito bons, mas acho importante como despertar de consciência cívica e política e muito boa gente que tem andado "distraída".

jorgefm disse...

Claro que podes discordar. Mas, e é sintomático, o que te tocou foi o acessório. A música nada interessa para esta questão. Foi exactamente o que quis transmitir. E continuar a afirmá-lo ajuda a distrair daquilo que realmente interessa.

E já agora... genial era um Zeca. E aí sim pode afirmar-se que o que escrevia era inteligente.