27 de agosto de 2009
Everything in Its Right Place
Amsterdão é a prova de que as cidades têm personalidade, a que alguns chamarão alma, ou, se preferirmos algo menos esotérico - talvez -, força interior. Porque a força interior, a tal que exalará uma sensível personalidade, terá de vir das entranhas das ruas e das casas, sem ultrapassar, mas tendo de estar absolutamente sensível, na vida quotidiana. E isso será algo que poucas cidades atingem.
E Amsterdão não o atinge. Em Amsterdão não sentimos uma personalidade forte, essa personalidade que teria de começar nas ruas e casas e que não poderia ultrapassar, apesar de essencial, o viver de todos os dias. Amsterdão assemelha-se a uma casa de bonecas, onde tudo é bonito e interessante de olhar, mas de fora; como quando espreitamos uma magnífica casa de bonecas que, apesar de perfeita, não nos passa uma vontade de entrar e ficar por mais tempo que o que durará uma pequena visita onde o nariz no ar em busca de detalhes acabará por esgotar por si mesma o nosso interesse.
O peso da história em Amsterdão poderia ser infindavelmente justificado pelas características casas, na sua maioria erguidas nos séculos XVII e XVIII, de uma idade invulgar portanto. Imaculadamente preservadas, fazendo-nos sentir entrar numa pintura de um tempo perdido ou simplesmente longínquo. Mas também esse sentimento não nos preenche, talvez por essas casas nos passarem pouco mais que uma data fantástica pintada ostentiva mas justificadamente numa das paredes. Sentimos que a força ou a história que essas casas nos poderiam passar não ultrapassa alguns interessantíssimos detalhes oriundos provavelmente apenas da sua construção.
Mas as cidades com personalidade não vivem nem poderão viver de um qualquer passado ou período histórico mais determinante, ou não teríamos cidades modernas tão interessantes ou atraentes. Amsterdão não nos passa história, e, mais importante, parece não nos passar presente, no sentido de uma vida própria, com a tal força de um quotidiano que nos contagie com uma qualquer energia.
Há uns tempos, uma amiga disse-me “Paris, mesmo quando é feia, é bonita”. Assim como os repetitivos tijolos londrinos transmitem um fantástico encanto, ou Chelas é bonita e Telheiras é feia. Ou o Porto tresanda carácter, mas não nos deixemos afastar do seu núcleo. Como a calma de Évora nos preenche e Óbidos, à sua dimensão, se conclui no passeio da praxe. Noutro oposto, talvez, a força da cidade não deva ultrapassar a das próprias pessoas, como Madrid o faz mais agressivamente. Força, personalidade, mesmo alguma opulência - as medidas certas nem todas as cidades as atingem.
Tal como senti acontecer um pouco com Barcelona, Amsterdão assemelha-se metaforicamente a uma overrated Diana Krall, talvez por serem cidades que as pessoas parecem ter vergonha de não acharem fantásticas, mesmo as que nunca as percorreram. Amsterdão será quase totalmente bonita, e bastante, mas quando a beleza se parece esgotar no estuque das casas, no ondular das pontes, ou no correr dos canais - sem transmitir, por parecer não as possuir, uma força ou inspiração a quem vive nessas casas ou ultrapassa esses canais -, pouco nos contagia e sentimo-nos, lá está, numa perfeita, mesmo perfeitinha, casa de bonecas.
t.
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1 comentário:
agendado para 2010.
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