20 de novembro de 2012

os profissionais da desordem

Nós queremos acreditar que tudo vai correr pelo melhor. É a nossa característica de povo pacato e sereno. Torna-se, porém, mais difícil a cada dia que passa.

Ontem ouvi o nosso Ministro da Defesa confirmar o total autismo de quem nos gover
na. Repetiu o que já tinha dito no dia da apresentação do orçamento. Segundo ele, o governo bem quer cortar na despesa pública, apenas o Tribunal Constitucional não o permite. Tal afirmação devia faze-lo corar de vergonha e a nós gritar de raiva.

Obviamente que o Tribunal Constitucional não é nunca um entrave à governação. Excepto para aqueles que advogam a tal 'suspensão da democracia'. O poder judicial é independente e ainda bem que o é. Ao governo compete cumprir a lei e aos tribunais verificar o seu cumprimento. É chato cumprir a lei? Às vezes é e basta lembrar a sarna que vai ser cumprir a lei do Orçamento de 2013.

É muito grave um governante dizer isto. Mas não fica, infelizmente, por aqui. No mesmo testemunho, Aguiar-Branco afirma que sempre foi intenção do governo cortar na despesa e foi o Tribunal Constitucional que obrigou a cortar na receita. E aqui há outra claríssima indignidade.

Este governo disse, repetiu, reafirmou, gritou a plenos pulmões, em campanha eleitoral que não iria aumentar impostos e que nunca cortaria nos subsídios. O que vemos é que afinal era essa a ideia de corte de despesa de quem foi eleito. Cortar nos subsídios era a solução e esta solução nunca foi legitimada nas urnas. 


É um problema que se arrasta há muitos anos, mas que se agravou exponencialmente desde os governos de Sócrates. Não é possível continuarmos a permitir que quem nos representa minta e iluda. É a nossa vida que está em jogo e todos os dias ficamos um pouco mais pobres. Literalmente. De espírito e carteira. A maior parte das pessoas nem questiona o que ouve. Manda umas bocas, mas depois não perde dois segundos a pensar sobre isso. Só assim se pode justificar as escandalosas sondagens da passada semana.

Dia após dia, uma nova notícia agrava tudo mais um pouco. Um dia, talvez não muito distante, todos vão perceber. E aí é capaz de não dar para responsabilizar meia dúzia de arruaceiros.

14 de novembro de 2012

do que estavam à espera?


estes distúrbios não são o resultado de 'profissionais da desordem'. eles estão lá? estão por certo. mas o equívoco é ninguém perguntar o que os leva lá. e esse equívoco é cínico e deliberado.

os sindicatos não dão, de momento, resposta às pretensões de quem protesta. tenho assistido a isto semana após semana. levam os cartazes, altifalantes, discursos, coletes, mas, invariavelmente, chega à hora de fecho do expediente e viram as costas. agem assim de propósito? provavelmente, pois uma das funções que têm é precisamente assegurar a ordem dos protestos e ao virarem as costas magnificam a sua necessidade.

ora o problema é em parte este. quem lá permanece não tem horário. muitas vezes nem tem trabalho. e sentem-se abandonados, sem voz. protestam, uma e outra vez, e o que ouvem é um enorme silêncio. quem governa não quer saber. nem percebe tão pouco o que os motiva. e quem momentos antes os acompanhava também não.

é este o desespero. e a ele se soma o cinismo da classe média que ainda pouco ou nada perdeu. essa gosta de protestar, mas não vai lá, não se faz ouvir. e mais uma vez fica o abandono. e este até soa a traição, pois quando os ânimos se exaltam, a reacção desta classe média é condená-los. rotula-os, isola-os. e ainda mais sozinhos se sentem.

por isso não gosto de ouvir este discurso. já lá estive. são pessoas normais, como vocês ou eu. apenas mais desesperadas. ou nem isso. apenas desligadas dos outros, pois como nada têm a perder, nem se preocupam com o que os outros deles pensam.

uma coisa tenho dito dia após dia. detesto violência. nunca para ela contribuí. mas hoje e por todos estes dias, se me pedirem para escolher um lado, eu escolho. e serei mais um dos desordeiros.

os motivos deles eu percebo bem. o que eu não percebo é quem nada faz e quem critica confortavelmente na segurança que ainda tem.

percebam. não custa mesmo nada. os protestos eram pacíficos. e para que serviram? a surdez tem estas consequências. um governo não serve para nada se não ouve aqueles que governa. e quanto menos ouve, mais encurrala quem protesta. isto é simples. é só deixarem o vosso conforto.

para a próxima não rotulem. apareçam. vão ver que tudo será mais calmo.