23 de março de 2012

colt 45

Deitei-me ontem com um amargo de boca pelo que aconteceu no Chiado. Pelo acontecimento em si, mas também pelas tremendas barbaridades que fui lendo pelas redes sociais. A questão transformou-se, mais uma vez, num esgrimir de argumentos pouco sérios e pouco abonatórios da dignidade humana, semelhante à discussão inflamada de um qualquer jogo de domingo, em que cada um veste a camisola e se esquece do que verdadeiramente interessa.

A mim preocupa-me o que vi. E ainda mais os disparates que li. Perturba-me que para alguns a falta de identificação justifique a agressão. Vi até quem questionasse se eram verdadeiros foto-jornalistas, como se fosse essa uma questão fulcral. A actividade de um fotógrafo é facilmente identificável. Esteja ele ao serviço de um órgão de informação, como freelancer ou meramente a usar o seu direito de fotografar um espaço e acontecimento público. A máquina não é uma arma e custa-me a identificar a hostilidade no acto. O facto de serem credenciados acrescenta apenas mais um atentado: contra a liberdade de imprensa.

Muitos argumentos podem ser usados, mas a verdade é que a polícia tem de saber como e quando utilizar a força e a ideia de que qualquer manifestante pode estar com uma máquina não colhe. Essencialmente porque o que interessa é a atitude do manifestante, agressiva ou passiva.

Dos relatos que ouvi e li de quem lá esteve, tudo aquilo foi desproporcional. É preciso distinguir a provocação da violência. E é aqui que digo e defendo que muito mudou nestes últimos meses. Não por uma qualquer teoria da conspiração, mas porque vamos vendo, de facto, uma escalada e a polícia tem reagido com crescente agressividade. Para mim é esta a questão central. Se perante meia dúzia de provocações e gente relativamente pacífica como esta é assim, o que acontecerá se tivermos uma amostra da atitude grega.

Alguém me disse hoje que é desculpável, que os polícias são seres humanos e que no momento tudo se torna confuso e o uso da força é justificável. Eu coloco esta questão que resulta da profissão que exerço: como se sentiria esta pessoa se perante provocações constantes de uma criancinha de 13 ou 14 anos (talvez o seu filho), eu, como professor, lhe pregasse uns valentes tabefes? O mundo cairia e diriam uma e outra vez que já não estamos no tempo da ‘outra senhora’. Pois eu aqui digo o mesmo. Respeito a autoridade, sei que o uso da força é por vezes inevitável, mas alguém viu verdadeiro motivo para o que aconteceu ontem?

A nossa polícia até sabe agir. Os últimos vinte anos demonstraram-no. Posso até dizer que já o testemunhei. O problema é, sobejas vezes, a orientação política. A forma como se encara o uso da autoridade. E a este nível muito mudou no último ano.

Podem fingir que estes acontecimentos e o tratamento que lhes é dado é só desinformação para desestabilizar, mas recordo-me bem dos últimos anos do cavaquismo. Quanto mais crescia o autoritarismo, mais crescia a contestação. Se querem violência, estão no bom caminho.